segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Estou roxo, com mãos presas ao pescoço. E elas são minhas, mas não dou por isso...*


Eu não quero mais te endereçar nada. Minha vida, chega de terceiros, sim? E também não quero que o que vem agora, através desta caneta seja o jorro indistinto que já conheço tão bem e começa a subir feito fervura. Eu sei bem o que limpo disso depois.
O que eu queria era uma vida qualquer, de ocupações honestas ou desonestas, mas sem filtros. Me falta o ver-o-novo de quem sempre realiza. Mas só afasto-me de tudo o que pode se realizar e vivo no mau sonho. Nem eu me salvo. Não posso, portanto, ter a esperança de me salvarem um dia. Se chegam agora, pessoa ou coisa em meu socorro, não poderei me jogar daqui. No fim á a gente apenas que salva a si próprio. Para além disso o que existem são meios.

Outra coisa: ver tudo como se fosse ser visto mais tarde. Como se daqui a uns minutos passados disso eu fosse ter um palco onde apresentar o que se acumulou. E diante de olhos expectantes: "olhem, estas são as minhas coisas", "foi isto que estive fazendo". Na verdade ainda creio nisso.

Tem um pessoal me seguindo e querendo me ver. Mas sou cego e não dou por isso. Apenas ouço murmúrios mal contidos e me sinto acuado. Não tenho a quem recorrer porque nada é concreto de se descrever e não tenho quem concorde comigo.

Por isso elimino todas as minhas possibilidades de realização? Me esquivo de conquistas? Invisto só em frustrações. Depois dou um jeito de lidar com elas.


*em um diário, já antigo.



imagem: Ana. - Exaltação de um turbilhão multicolorido I
http://www.olhares.com

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

"Isso" - eu disse - "é vivência".


Que bom que tu voltaste a ler,a ver tuas coisas. A recapturar um tu mesmo para além do que a gente compra, bebe, assiste na TV. Antes não precisavas. Era eu que te alimentava de fluidos - mais que isso: de espelhos, de danças loucas, de brilhos de espaçonaves. Aí, me faltaram (os meus). Fiquei exausto, mas estão por aqui ainda. Se há vantagem nisso tudo é eu ter descoberto que a fonte não seca. Não cessa de produzir os objetos claros, recobertos de cromo brilhante e com furta-cores de que tenho e sou. Estou esvaziado parcialmente, mas não sou vazio, tenho bastante de mim para esperar e, desta vez, manter por aqui. Mas olha, aproveita. Aproveita disso tudo que tiveste guardado bem no fundo (eu quase nem vi), enquanto vivias só de mim. Tira um pouco a casca grossa que se formou por cima, apagando a superfície que era luzidia nuns tempos e usa. Te come, te veste e mantém. Já que agora posso, te asseguro: não precisas economizar, não gasta, não seca. A fonte que em mim não terminou, tu bem podes perceber, já que usou, de certo tu também a tens.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Desejos Normais

Não posso ser crível no que expresso em linhas posto que, para a maioria isto sequer são linhas e eu sou, provavelmente, um dos que não são disso.
"Queria trazer-te uns versos muito lindos
trago-te apenas estas mãos vazias
que vão tomando a forma do teu seio. "
(Quintana)

Também não nunca fiz questão do contrário. Por que não vinha ao caso?
Minha sensação é de as coisas não serem bem isso. Sempre o caso de não vir ao caso. E a minha desculpa para não ser nada vai, invariavelmente, ser a de repetir estas últimas palavras em que também não quis alterar nada.
Esta minha postura seca que alterna-se entre cômoda e incômoda é quase amor aos fatos. Quase sempre. Mas sempre menos, no entanto.
Prefiro me mexer muito, todavia, só para levantar poeira. Chafurdo o solo do fundo, faço até descolar-se um limo antigo, umas páginas secas. Aí, de novo sumo na nuvem densa de cinzas e verdes e ela tarda. Só mais isso: enquanto tornam as águas claras, vagarosamente vai sendo possível me divisar as feições, praticamente no mesmo lugar.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008


A pura verdade é que não dormi naquela noite. Naquela em que você me disse: "volta", e eu ignorei a mensagem. Pensei que poderia voltar ao mesmo tempo em que me dei conta de que não, sempre soube que, depois de ter ido, não poderia. Ignorei então de novo e soube que eu iria sofrer sabendo que você sofreria mais. No dia seguinte fui dormir às seis da tarde: sonhei que corri atrás de você na rua e toquei teu ombro pensando "há quanto tempo!", você se virou e eu disse "não me perdoe, porque você não deve, não é o caso, mas olha, o que eu fiz não foi a satisfação de um desejo". Ficou bem a frase completa, mas na verdade, só a primeira parte aconteceu mesmo, isto é, sonhei mesmo. Essa coisa do desejo eu pensei depois de acordar. Incluo agora na re-invenção imaginada dessa história toda a parte que eu quase gostaria que tivesse acontecido, não fosse o caso de cada uma delas estragar tudo, toda naturalidade do que foi. Porque somos esses que isso viveram, isso nunca poderia ter sido outra coisa. É.
imagem: José Meneses - Splash

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Os que vieram


Esses que chegaram aqui e tudo levaram

levaram eu, que me dei.

(não admito!)

admito eu trair-

me,

no quê?

levar o quê?

ter o que de mim?

eles também não sabem

pois nem viram. Eu enfiei, meti

toquei goela abaixo em quem chegou

tudo de meu.

quem se assustou, ou não quis, logo criou problemas e sumiu.

quem viu que era bom e gostou

ficou

mas só por um tempo

e depois nem disse por que foi

porque não sabe

por quê.
imagem: Tiago Xavier - s/t

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A música que me persegue hoje (talvez exorcise ela aqui)

(...)



Estás conmigo,

Estamos cantando a la sombra de nuestra parra.

Una canción que dice que uno sólo conserva lo que no amarra.

Y sin tenerte, te tengo a vos y tengo a mi guitarra.



Hay tantas cosas

Yo sólo preciso dos:

Mi guitarra y vos

Mi guitarra y vos.



(...)


Hay escritas infinitas palabras: Zen, gol, bang, rap, Dios, fin...



Hay tantas cosas

Yo sólo preciso dos:

Mi guitarra y vos

Mi guitarra y vos.



(Jorge Drexler)




quinta-feira, 24 de julho de 2008

14/07 e sobre ser gravemente confessional




É, minha filha (mulher chorando no trem). Também te parece que isso é o que mais temos feito ultimamente? Por que é que estamos salgados, anjo meu? Mulher de cabelo oxigenado, um roxo-amarelado no braço, encostada à parede numa parte onde não tem janela, olha através como se tivesse. Aonde foi que chegamos, você e eu, se tivermos já chegado? E onde foi que vacilamos, se for por mau passo (antigo como a própria expressão) que estamos respondendo agora? Eu queria um mais doce, um mais dito. Um mal dito, mal feito, mal assombrado. Um mal-assombro é o que sinto vendo a nós - seres que éramos do lado simples - aqui do lado da paixão roxa-fosforescente, luz negra que não se usa para ver. Escarafunchamos deste lado nosso amesquinhado virar-se do avesso, constrangedor, não desejado e ainda assim orgulhoso. Como certa mulher a que assisti uma vez, tendo que juntar sacola arrebentada num banco de parque. Seus objetos expostos, seu brutíssimo cenho ao expô-los. Ah, ela ainda não precisara odiar tanto naquele ano.

Sai, pode sair letra representativa dessas negras coisas. Sal de coisa mal enxaguada. Sai pela culatra, pela língua em fôrma sólida e não cursiva. Personifique-se latência explorada diante da tal especialista. Me sinto filho de carne crua.


Perdi a mulher que chora. Onde está? Preciso de mais dureza patética, cinza, roxa, negra, vulgar.





imagem: Carlos Tavares - Sem título
(www.olhares.com)

quarta-feira, 25 de junho de 2008

18/06 e a miopia

... o meu olhar anda perdendo o foco. E o que eu perdi nisso e o que eu ganhei nisso foi a distinção que eu tinha,
de mim em relação ao que eu via.
No dia em que eu saí de casa com o olhar embaçado
eu não só não cumpri a-pena-diária-que-há-certo-tempo-havia-aceitado-que-a-mim-fosse-imputada, e,
de foco difuso meu olhar se recapturou também. Perdido que não se sabia num grande silêncio de coisas visíveis.
Eu vaguei no turvo, até ser surpreendido por um bruto carneiro de lã grossa - como o de antes - só que desta vez de um esverdeado amável e fosfóreo. E neste dia eu a tudo amei de novo
no outro
no novo outro
no futuro das coisas
e em mim.
No embaçado desse dia de um tempo tão curto, eu captei algo enfim mais de acordo com minha alma fluida do que as coisas que por anos de visão focada eu persegui.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Foi no dia 15

Eu: “Descreva”.
“Inexplicável”. Dirias a mim enquanto ri.
Riríamos os dois então...
E desde isto não viria um dia
em que nele todo eu teria feito outra coisa
senão explicar-te para mim através de meus olhos
colados em ti.

Estava sozinho e não sabia. De repente, cri
que para todas as pessoas não havia
nada
que não resultasse de um primeiro sorriso-olhar.

Ou seja lá o que fosse...
Simplesmente porque era possível pensar e dizer tudo isso a ti
ou outra coisa
ou o contrário de tudo isso.
Seria possível porque desde o início
poderiam teus olhos soltos
livres em mim
transcender o que deixo visível,
me permitir. Me impedir?
Olhos que não são só pra ver. Verdes?

Tudo só pensado.
Tu: “Como surgiu essa intimidade assim?”
E pensaria bem claro para que percebesses que também sei telepatizar:“Não. Eu, permissivo, pedi”

sexta-feira, 23 de maio de 2008


Sempre que o trem passa pela manhã, em frente à Igreja Navegantes, e eu lembro de olhar para ela, ele está lá. É um cara magro, um pouco alto, de mochila. Apreendo uma imagem boa durante o quase um segundo em que o posso ver lá, parado. Diante da porta fechada da igreja, ele fica com a cabeça meio abaixada, em oração eu suponho. Não sei o que faz com as mãos, mas gosto de imaginar que ele as une em frente ao corpo, sem entrelaçar os dedos, apenas apoiando levemente uma sobre a outra. Acho mais suave assim. E de acordo com o o sentimento gerado pela imagem formada em minha cabeça.
Mas, sabe? O que me chama mais a atenção é isso de ele estar diante de uma igreja de portas fechadas. Não como se ela o negasse, mas apenas lhe fosse indiferente. Ou melhor, como se ele não precisasse estar dentro de uma construção que lhe é indiferente. Necessitando apenas estar ali, no começo de um dia a mais, e gozar uma presença sugerida pelo fato de estar diante da coisa enorme, que na verdade é um vislumbramento do motivo pelo qual se reza. Pelo qual as pessoas rezam.
E esse ato, por si, é irremediavelmente solitário.
Uma vez eu li, acho que foi na Clarice - para variar - algo a respeito de a oração ser o momento de maior acesso a nós mesmos. E que, quando rezamos, acessamos um interior infinito e real, que é nós. Como disse, não sei mais onde li e, portanto, não posso transcrever com fidelidade. Mas a idéia, e isso me lembro bem, é que fez um sentido completo para mim no momento em que li. O que também prova o agnóstico de araque que sou.
Na verdade, o que sobra disso tudo, para além do meu posicionamento religioso, é o fato de eu entender que assim, através do ato de se rezar para o algo em que se acredita, as pessoas têm acesso a um certo deus-elas-mesmas. E que conduz, por sua vez, a um valiosíssimo contato com o que há de mais verdadeiro e subjacente a cada uma dessas coisinhas seres humanos que somos. Tudo isso, é claro, na hipótese de um ato de oração sincero, individual e absolutamente privado, como só a mente nos pode ser.
Mas no caso de, em tudo isso eu estiver totalmente equivocado, o pior que pode me acontecer é eu ter começado um dia com o olhar mais poético. Nada mal.


Imagem: A la porte du garage - Vincent Teuliére

quarta-feira, 30 de abril de 2008


Em que momento ele esqueceu que precisava procurar um sentido?

Em que momento ele esqueceu o que sempre soube: que a descoberta deste sentido - e o exercício dele - é que faria tudo valer a pena.

Como alguém que tivesse parado para descansar em longa jornada, e nisso relaxado tanto que não pensara mais em seu propósito ao invés de ter se esquecido dele apenas por um instante. Então, tornou a acordar-se repentinamente, e esse sobressalto o estremecia e fazia-o tontear. Era preciso esforçar-se: o que era mesmo que estava fazendo quando resolveu parar no caminho?

imagem: Via Sacra - David Sousa

segunda-feira, 24 de março de 2008


Queria muito precisar só de um amigo que me consolasse, e então teria certeza de estar querendo o inarrependível. Eu sei que quero demais. Mas viver sem o que tange o máximo me desola. Qual é o pecado de quem tem no alcance do pleno, parâmetro de satisfação razoável? Amanhã continuarei sendo eu mesmo. Amanhã eu não vou ser eu mesmo. Se não fosse eu mesmo agora, queria ser todo o resto. Tudo o que não é eu resta, mas em relação a mim somente. O todo fora eu me atrai. O mundo menos eu é o mesmo a que me referia, ainda a pouco, como "o que resta". No que é o resto relativo a mim me reflito desta forma. O mundo (menos eu) se me é. De modo que não pode ser outra minha transcendência: tento sê-lo. Porém o todo, sem recorte atento, é raso. Não há o que inferir no que é obtuso. Somente de um pedaço de intensidade é que jorra o fantástico brilho insuspeitado do instante, do pedaço de mundo que é neste momento. É por isso que me esgoto fácil. Sou intuído, explorado e concluído num agora bem pequeno. O amanhã me guardará completo se eu puder então realizar todas as possibilidades que admito sem nunca excluir nenhuma? Não. O amanhã não vem.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Meu encontro (para uma letra de rock)

Desviei os olhos de meu umbigo
e já precisava de um encontro
eventual e preciso
mais que um sinal não-inimigo
compreensão profunda que não envolvesse esforço meu.

Aí vens com algo e eu torço o nariz
torço teu cabelo
torço para que seja amor
de sábado.
Amor custoso de sábado
como sol forte nos olhos, sorriso de cansaço,
e cômico mau humor fingido.

E silêncio.
É confortável não ter nada a dizer
tanto quanto é inatacável tua raiva muda.
Muda de assunto
me faz mudar, mas não me avisa.
Inicia qualquer conversa que me diga respeito
diz sempre tudo a teu próprio respeito,
mas não seja sincero
tenho espaço vazio onde nada é feito
é tudo teu
- não eu -
se não me deixar voar
se não me fizer cair.

(tem sempre um "se")

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008


Ter um sentimento de fuga é menos patético que o próprio momento que o gerou. E isso que acabei de dizer não quer dizer nada. Ou, só não é o que quero dizer. Não sei o que quero. Quero dizer a realidade de dentro, ser compreendido e isso ser belo. No entanto, apesar de o sentir bem, não vejo o de dentro: já sei que toda suposta compreensão é um espelho e não conheço o mecanismo que torna um momento belo. Ele o é, apenas.

Ter nas mãos uma destas nuvens fofas que vejo pela janela me daria um pouco disto que busco. Terminei de pensar isto e passei por um túnel: perdi de vista no instante do surgimento de um desejo, o objeto próprio deste desejo. Está em teoria de qualquer coisa psicológica, isto é uma alegoria.

A alegoria da nuvem. Mas eu não quero mesmo que ela seja mais do que uma fantasia, em dois sentidos desta palavra. Uma representação que adorna, um enfeite para o de dentro da minha cabeça que detesta o cinzento da própria massa de que é feito. A alegoria da nuvem branca e fofa na mão. A minha mão azul e brilhante para que a cena não seja de incompleta mágica. E alegria quase visível pairando. Coisa de deus hindu.

O lugar para onde estou fugindo precisa da alegria desta imagem. 'Alegria da alegoria', poderia ser o título. Acho que é. Porque me lembrei agora da alegria que também já me deram, há um tempo, a brincadeira com algumas aliterações. Mas acho que nunca tinha pensado nesta. E esta alegria lembrada também é um pouco o que busco agora. A alegria, não as palavras dela. Só queria fuga para um lugar onde tudo o que eu preciso me encontrasse e viesse a mim sem palavras.
Imagem: "Cantiga de Embalar" - Mariah

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

A explicação do nome


Debaixo d'água




Debaixo dágua tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar

Debaixo dágua se formando como um feto
sereno confortável amado completo
sem chão sem teto sem contato com o ar

Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Debaixo dágua por enquanto sem sorriso e sem pranto
sem lamento e sem saber o quanto
esse momento poderia durar

Mas tinha que respirar

Debaixo dágua ficaria para sempre ficaria contente
longe de toda gente para sempre
no fundo do mar

Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia

Debaixo dágua protegido salvo fora de perigo
aliviado sem perdão e sem pecado
sem fome sem frio sem medo sem vontade de voltar

Mas tinha que respirar

Debaixo dágua tudo era mais bonito
mais azul mais colorido
só faltava respirar

Mas tinha que respirar
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia
Todo dia, todo dia
Todo dia




(Arnaldo Antunes)









Eu tinha esquecido que tinha esquecido de dizer de onde eu tinha tirado isso.



Essa música é incrível. Me faz sentir potente em vida. Me transporta. Me faz lembrar de onde eu vim.



Arnaldo Antunes é um gênio (do bem e do mal), mas a versão da Bethânia me comove mais.