sexta-feira, 24 de agosto de 2007


- O médico acha que é no intestino, agora.
- Como assim, acha?
- Mandou fazer uns exames, mas tem todos os sintomas. Me disseram que a radioterapia ali perto... sabe? - faz um gesto indicando - pode acontecer...
- Mano, o vô vai morrer.
- Vai.



Foi ele que me disse mas, desnorteantemente, ao mesmo tempo me ocorreu que meu irmão ainda não tinha entendido. "Vai", ele concordou, com o mesmo constrangido ar grave meu e de todo mundo ao falar nessas coisas: morrer.
"Ele só tem 19 anos", pensei, e antes de completar o pensamento me dei conta,"...de vida". Mais uma vez diante de uma situação como essa, estou perplexo ante o óbvio que soa até ridículo: não temos experiência de morte. Aliás, morte parece mesmo algo como isto, anti-experiência. Em relação a ela tenho os olhos arregalados e as pupilas monstruosamente dilatadas de quem quer ver no escuro. Não vejo, como todos ou, ninguém. Também não vejo e não apreendo o que mal me pode ser dito. Ninguém alcança. Meu irmão, eu, ou meu avô - que ainda não morremos - nenhum de nós têm sequer um segundo de morte. Mas entre nós todos, continuamos sentindo-a mover-se furiosamente, suavemente...

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Desconserto

Quero ter um poema
quero ler um poema
quero ver um poema
com cara de interrogação.

(eu não, o poema...)

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Melancolia Nonsense


O que sai da minha boca
menos que anormal, soa grotesco, desonesto, ridículo
por ter referido o que pouco importa?

No meu mundo, porque não me sinto à vontade em lugar nenhum,
tenho sempre irresistível vontade de me acomodar no primeiro chão macio que vejo.
Então passa devagar, por favor,
que eu quero ver a névoa.

Isso me lembra de uma antiga realidade,
que vem sob efeito de chocolate e pesadíssimo café:
Meu pai não poria n’água um barco com o meu nome.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Amor aos fatos

Sobre o Werther, seus extremos de humor e porque o movimento romântico se esgotou.
A esse jovem, intenso e apaixonado, foi negado o paraíso e, por isso, só lhe restava o inferno. Não lhe ocorreu que estando fora a possibilidade de ter sua adoradíssima e perfeita Carlota nos braços, para não cair na total escuridão miserável, sua vida poderia ter sido simplesmente neutra e boa? O que mais quer o ser humano? É possível descobrir? E quando descobre, sua situação é extrema igual a do pobre Werther?
A miséria humana não me salta aos olhos, realmente. No entanto, esse assunto que é para mim constante, ainda que intermitente, retorna sempre através do impressionar-se com algum aspecto da realidade justamente porque tinha passado a maior parte do tempo oculto. O mesmo vale para o contrário disso. Agora, por exemplo, me ocorre de estar encantado e surpreso de que algo no final desta tarde me traga satisfação. Um momento da vida ordinária e coletiva que, Deus me livre de racionalizar, se revelou e me fez sorrir. O lúdico e o lírico são criados por meus olhos, mas também estão no mundo. E isso me faz ver que exatamente o mesmo vale para o miserável e o ridículo...
Apesar disso, não vivo numa interjeição ininterrupta. Para mim é necessário que a maior parte do que vejo seja suportável e, mesmo, de uma certa nulidade. Como é impossível uma vida toda num correr de lástimas (vide o desfecho do romance citado), do mesmo modo agüentaria alguém, mesmo o desmiolado Werther "ver surgir o paraíso a cada passo, (...) numa vida de adoração continua"?

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

8 de fevereiro


"Há oito dias faz um tempo medonho e isso me causa regozijo. Pois, desde que estou aqui, não se passou um só dia bonito sem que um importuno não viesse envenená-lo e deteriorá-lo. Pelo menos, visto que chove e faz vento e gela e o gelo derrete-se, não pode estar, digo a mim mesmo, pior em casa do que lá fora, nem melhor no campo do que na cidade, e fico contente... Se o sol nascente promete um belo dia, não posso deixar de exclamar: 'Ora, aí está um favor do céu que eles não podem arrebatar um ao outro!' Não há nada neste mundo que não se arrebatem uns aos outros: saúde, auto-estima, alegria, repouso! E na maior parte das vezes por imbecilidade, desinformação e estreiteza e - a gente o percebe quando os ouve atentos - apresentando a melhor das intenções. Tenho vontade às vezes de lhe pedir de joelhos que sejam piedosos uns com os outros e não se rasguem as entranhas com tanta fúria."



Goethe (Os Sofrimentos do Jovem Werther)

sexta-feira, 3 de agosto de 2007


Eu não tenho nem coragem de dizer e então não digo. E desde isto ocorre que não sei ser mais nada muito bem. Até esse desgraçado jovem romântico, cuja aura há dias me ronda e hoje enfim o encarnei, até isto sou de um modo pouco exato e não convincente. Destas todas, as coisas, não consigo fazê-las uma a uma e aplicadamente. Sou agora macio e intransigente com relação a tudo que me atrasa. Mas aí vem hoje, que não amanheceu tão frio e qualquer coisa com isso que ficou menos dura e um pouco vulgar. Daí, com minha cabeça vi, pela janela do trem, algo que fez chover: o problema fundamental do conhecimento, o ser e as implicações de não-ser, blá blá blá metafísico e tudo o mais. Pronto, já me distraí. Agora, passa devagar que eu vou olhar bem para a névoa. Mas então, então me lembrei do que não queria dizer e disse. Tão baixinho que nem eu ouvi.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Tema de abertura


Pedi ajuda, me sugeriram e eu acatei. O motivo do blog: porque eu quero me demonstrar.

Pronto. Daí para trás já é investigação psicanalítica. Porque o sinal que eu mais uso são os dois pontos (:) : estou sempre expressando a minha iminência em dizer algo. Disso, eu sei, advém minha cara de bobo e a impressão que os outros têm de mim - em alguns círculos - de ser um pouco quieto. Não sou, nesses grupos mesmo, falo muito. Sempre menos, no entanto, do que havia demonstrado que iria dizer.