sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Acidentes (2)


Enfim, as histórias.


A primeira é de uma moça na Argentina que, voltando de uma festa para casa, e tendo por isso passado fora as vinte horas anteriores, encontrou a família e vários amigos (os que não estavam na festa) velando seu corpo na sala de estar. Já que eu não disse antes que não estava fazendo realismo fantástico, preciso agora pateticamente explicar que não era mesmo o seu corpo e fora um engano. Outra moça se suicidou e foi encontrada nas pedras. Havia semelhança física e alguns logo acharam que era ela; e todos finalmente ficaram convencidos quando a própria mãe a reconheceu.

O final é que ela entrou em casa e todos choraram de novo, desta vez de surpresa e alegria. E só porque o engano foi desfeito é que eu sei da história toda e a moça não é simplesmente uma desaparecida.



Mas nós, que ouvimos histórias e nos interessamos inclusive pelas reais, não as ouvimos só porque assim nos inteiramos de fenômenos espaço-temporais. Aliás, isso seria ouvir sem porquê. Gostamos delas como acréscimo de nós mesmos. Como coisas que ganhamos e se tornam nossas, se tornam nós.

Assim eu sei dessa história e porque agora ela é minha, gosto de imaginar outros finais. Num deles, a moça antes de entrar em casa, ou melhor, antes de entrar em casa completamente e a verem viva, percebeu o que estava acontecendo, voltou-se e sumiu no mundo. Entendeu que mais do que a realidade mesma o que nos implica, é como as pessoas pensam que ela é. Pessoas nos implicam. Aceitou assim o seu desaparecimento para estes, renasceu com outro nome e teve, daí em diante, uma experiência de vida após a morte - coisa que muitos neste mundo desejam mas não têm coragem ou oportunidade. Primeiro no Chile, depois não se sabe onde.




Pausa pra respirar...
Imagem: Luís M. Gomes - Diálogos

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Acidentes (1 de não sei ainda quantos...)


A sucessão de acidentes que me fez aqui estar têm, no seu resultado, algo que ainda os faz de alguma forma subsistir. A propriedade final do acidente é fixar-se? Faz diferença que tenha ocorrido algo que não se fixou?

Não é estranho, meu caro, que ter nas mãos alguma rédea, no meu caso, linha de pandorga, que dê alguma direção à própria vida seja um sentimento tão difícil de se ter? Especialmente quando se crê nele? Eu cri: eventualmente me ocorreu, eu acho, de ter essa linha nas mãos. Foi claro para mim nesses momentos que o poder de decisão que eu tanto pedi, por falta de bom senso, enfim era meu. Eu soube então fazer o que queria? Fiz? Seja lá o que tenha feito, até por ingratidão chamo-o acidente. Até por ingratidão é que eu duvido. Ingratidão é minha forma de seguir descobrindo, como bom inseguro.
Eu tenho três histórias pra contar, mais tarde...


Imagem: Hernâni faustino - Sem Título

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Angústia do Dia

Do que há hoje em mim
prescindo de quase tudo
pressinto tudo quanto é sentimento mudo
que mais uma vez me prende

(Então sussurro de fora pra dentro: Eu só quero que tudo dê certo!)

sábado, 8 de setembro de 2007

Pedidos (entre parênteses)


Eu não gosto de ouvir

(me fala)

o que posso ter só

por estar do teu lado.

Eu não gosto de falar.

(te ouço)

Silencioso em,

entre (entre), sobre, no

enleio

licencioso do teu olhar

verde-água-que-molha eu

inteiro sou

teu.

Como que por encanto

(dominador de monstros).

Não sem uma ponta

(aguda) de espanto

leva-me tu

a um canto (o mais quente)

do teu

eu.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Independência/Dependência

Debaixo das pontes que passam sobre o arroio Dilúvio na Avenida Ipiranga, pequenas luzes amarelo-ouro acendem e apagam, iluminando-ocultando enegrecida fumaça densa que mal cobre (como a ponte) cabeças duras com olhos profundos de susto perdidos no breu que há (por toda parte).