segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

[...]
Rossana era a morena que odiava muito. Rossana odiava praticamente todas as coisas, feias ou não, pelo menos em algum momento. Rossana odiava quando amava alguma coisa e não podia largar dela. Então dava um jeito de odiar ainda mais e fazer com que esta coisa a largasse ou ela o faria. Rossana era difícil de conviver.

No entanto, ela sentia-se muito à vontade no centro da cidade. Anônima, andava pelos shoppings e cafés e observava as pessoas e imaginava o quanto elas poderiam gostar dela se a conhecessem bem, o quanto ela seria querida por aquela senhora bem vestida de tão lindos sapatos, ou como ficaria satisfeito com sua sinceridade e simplicidade o rapaz que era dono da revistaria. Os dois conversariam longamente sobre negócios e ela diria muitas coisas com lucidez e ele ficaria impressionado como alguém que nem é do ramo poderia ser tão sensível em relação a problemas desse tipo. Ou então, quando ele estivesse inseguro quanto ao comportamento de seus funcionários, ela diria a palavra certa e corajosa que o faria perceber a decisão certa a tomar. Rossana sabia que poderia ser muito útil se as pessoas confiassem mais nela e não fossem tão mesquinhas. Ela tinha coisas a ensinar, só precisavam conhecê-la melhor. Mas, no fim, no fundo, sabia que todos terminavam sendo só mesquinhos mesmo, as pessoas não gostavam de ouvir a verdade. A coisa que ela estava sempre mais disposta a dizer, a qualquer um, em qualquer momento. Era irritante que, apesar disso, tivesse tão má fama.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011




Me convença, por favor,

de que afinal isto é só uma coisa desta época, deste tempo, desta idade. Uma coisa que acomete a muita gente e que em algumas se manifesta somente como um jeito, ou uma dor nas costas, o lábio um pouco mais virado. E que, por falta de saberem mesmo de todas essas coisas com as quais eu, por minha vez, já tive contato, já vi, já li, já observei – já que sou um observador tão bom – eu sei expressar melhor. Não fosse isso, teria que procurar um médico.



O cavalo em geral (ideal) é um ser abstrato.



Eu não sou especial de nada, não há nada me aguardando e ninguém virá do Mistério um dia para me raptar. Ninguém irá me apresentar a minha pressentida, clara e distinta vida; minha vocação. Esta que, a propósito, não está neste mundo. Ninguém virá reparar o erro.
É até bonito que eu, por tanto tempo, tenha procurado algo que sentir a respeito disto. Que tenha afinado tanto as antenas.
Mas esta não era a maneira com que eu queria mesmo tratar o texto, entende? Eu sempre procurei um lugar mais natural para ele. Todavia, eu olhava o céu e via desta forma a minha vida. Acho que agora passou.






O objeto imediato das sensações é o estado mental. ↔ Crença contemporânea. O corpo mais nada tem a ver com isso.

Mas, a mente não entra em contato com nada de real. Daí a possibilidade de conceber a nossa teoria da percepção, onde tudo o que é material, pode não ser real.
Essa teoria assume, antes de qualquer coisa, que a percepção é um estado mental. Somos idealistas.








quarta-feira, 29 de junho de 2011

Sobre meus hábitos




Para não precisar de um cigarro,
precisaria voltar ao estado
de imbecil em mim que tu preenchias.
Te fumo agora, imbecil.
Eu, o imbecil-tu que me fazias.


****************

Eu saí e quase comprei um livro ou dois, não o fiz. Há cinco anos, tê-lo feito, seria mais verdadeiro. Hoje eu estou como que viciado nestes modos. Para harmonizar qualquer coisa, sigo, condicionadamente um caminho conhecido, assimilado e não estrangeiro. Vulgar em relação a mim mesmo.


*****************


Acho que a gente corre o risco de ter aprendido demais, quando já não há visão sem símbolos. Quando não há percepção sem a lembrança de um deles. Ser excessivamente analítico te torna um místico, dos bons. O oráculo é sempre guardado por um doente. Que tem razão mesmo adoecido. Loucos conhecem a realidade por motivos de loucura.



sábado, 11 de setembro de 2010

Odalisca Andróide

Por alguma vaidade, vou revelar àqueles alguns que sei que me lêem, que irão se decepcionar, talvez, com esse novo post. É que, após meses, em vez de originalidade, traz só citação. Ok, mas é uma citação nova, no sentido de ser das que eu não faria até pouco tempo.

Um texto de Fausto Fawcett (sim, ele mesmo), que descobri aqui.

Dêem atenção à Bethânia, não a mim.

Odalisca Andróide:

"Eu estou sempre aqui, olhando pela janela. Não vejo arranhões no céu nem discos voadores. Os céus estão explorados mas vazios.

Existe um biombo de ossos perto daqui. Eu acho que estou meio sangrando.

Eu já sei, não precisa me dizer. Eu sou um fragmento gótico. Eu sou um castelo projetado. Eu sou um slide no meio do deserto. Eu sempre quis ser isso mesmo. Uma adolescente nua, que nunca viu discos voadores, e que acaba capturada por um trovador de fala cinematográfica. Eu sempre quis isso mesmo: armar hieróglifos com pedaços de tudo, restos de filmes, gestos de rua, gravações de rádio, fragmentos de tv.
Mas eu sei que os meus lábios são transmutação de alguma coisa planetária. Quando eu beijo eu improviso mundos molhados. Aciono gametas guardados. Eu sou a transmutação de alguma coisa eletrônica. Uma notícia de saturno esquecida, uma pulseira de temperaturas, um manequim mutilado, uma odalisca andróide que tinha uma grande dor, que improvisou com restos de cinema e com seu amor, um disco voador".





Júlia, sabe aquele papo sobre a Nova Mítica? Pois é...

terça-feira, 30 de março de 2010


Sou um dos portadores do ovo que desconheço. Há tempos já recebeu um nome, é o Ovo. Não fui eu quem o deu, e um nome, se sabe, pode ser dado para nada. O Nada, por exemplo, às vezes é um nome. Porto um ovo, todavia, mal o sabendo dizer como já o disseram antes e melhor.
Não escrevo senão estranhando os sentidos. Reformando as palavras. Tateando sempre um novo nome para o que conheço plenamente. Sensitivamente interno e mineral. Matéria pura. Que desconheço, no entanto, positivamente, desconformadamente, em um sentido reto e verbal. Coisa absolutamente real e sem forma. Gestação inacessível que não seria mais angústia se se tornasse enfim a postura real do objeto por ora amorfo, mas natural.

* * *

Há um excesso de imagens em tudo o que eu expresso. Talvez por muita ânsia em trabalhar tudo o que eu absorvo. Procuro muito. Vejo muito. Aí concluo que expresso pouco, ou mal ao menos. Talvez seja o caso de comer menos. Minha cabeça demonstra no que pesa o tamanho de seus excessos. É tempo apenas de ficar parado e não ouvir, não ver, não tocar mais. E trabalhar com o que há. É o caso, porém, que me encontro superestimulado. Não vejo satisfação duradoura da minha ânsia em possuir alguma coisa. É tudo imperdível, tudo priorizável e torna-se impossível caminhar sobre somente uma trilha, trilho. A priorização, aliás é sempre extrínseca. Só encontro ordenamentos que vêm de fora, aí é opressão e eu sou, mais do que o resto, um rebelde. Torno-me, por isso, a imagem ideal da geração superficiosa, hiperativa e fragmentária. Estou obeso por dentro.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Carta passada e, enfim, vazia de sentido.*

Uma loucura: a minha.
O que sei é que tudo o que eu te disse é verdadeiro a não mais poder. No entanto, a outra parte do que está envolvido nisso, se eu quero ou não manter-te junto a mim, é que enxergo agora como essas letras, enquanto escrevo com óculos escuros de lentes que não têm graus, afasto os olhos e depois aproximo-me novamente, vendo bem agora e mal em seguida, quando me cansar do esforço em tentar vê-las.
P., a pouco, pela manhã, eu disse a alguém que gostaria de te amar mais do que faço. Te amar mais do que te querer, para ser franco. Mas também já repenso se trata-se mesmo disto. Penso agora que talvez te ame mesmo, porém encontre impedimentos em exercê-lo, coisa que não acontece de tua parte em relação a mim. De tua parte nosso amor é só oportunidades. Eu sei, sou negativo no amor. Para mim ele deve ser trabalhado, desenvolvido em umas, mas podado em outras partes. Tu não, tu só quer e quer, embora, às vezes sinta medo.
V., o próprio pivô disso tudo, me fez ver uma coisa pertinente quando falava disso a ele: eu não me permito. É, não me permito mesmo. Sob vários aspectos. Por que faço isso? Por que vocês que me encontram atordoado de desamparo pelo mundo, com cara de quem viu o demônio do conhecimento - por que vocês não me trazem algo que faça as vezes de resposta, ao menos? Só salientam em mim mais uma coisa que vai me fazer voltar a perguntar "por que?".
P., meu tesão difícil e lindo desde o início. Há tempos constato que me impeço de dar-te o que tu mereces e sacrificas a mim tanto, todos os dias, a mostrar-me como se pode fazer isso sem zelo ou cuidado demais pelo que se dá. É o que há quando se tem amor demais. E, ainda por cima se sabe como gerar por conta própria... Lembrei agora: eu também já fui assim. Não jogue fluido do coração pelo ralo, eu me arrependi.
P., qualquer dia eu vou te encontrar de novo, te dar um abraço forte e lembrar do cheiro e da pele do teu pescoço sentidos de perto. Porém não sei o que vai acontecer neste dia, depois disso. Não sei como vou estar lá e nem no que isso vai dar. Isso é uma coisa que eu gostaria muito de saber agora. Amanhã. Isto entre todas as coisas que desejo neste momento, por exemplo, que este trem não chegasse a nenhum lugar.






*Portanto, publicável.



terça-feira, 12 de maio de 2009

Devagar se vai ao longe... (à moda de Nicole Doberstein)





Um dia, uma Lebre ridicularizou as pernas curtas e a lentidão da Tartaruga. A Tartaruga sorriu e disse: "Pensa você ser rápida como o vento; Mas Eu a venceria numa corrida."

Esopo


O nome oficial do jogo é Ludo. Isso eu só aprendi há duas semanas, quando, em função de ter que fazer o trabalho para a disciplina de Psicologia da Educação : O Jogo I, fui procurar uma imagem do tabuleiro do jogo do qual não lembrava mais desde os 8 anos. No entanto, assim que vi a sugestão do título/tema do trabalho, lembrei exatamente do tabuleiro que eu possuía e que já perdi.
Bom, o que importa é o nome. Creio que esse, o meu, foi minha avó, D. Alícia, quem inventou. Sei disso porque ela sempre gostou de inventar coisas como atividades e nomes. Tanto foi que herdei dela o interesse por coisas que não existem. E de fato, “De vagar se vai ao longe...”, assim mesmo, com reticências, sempre achei muito adequado, dadas as regras* e o tempo de duração de cada partida. Só eu mesmo, lembro bem, é que gostava. Apenas aos puxões de camiseta e caras treinadas é que eu podia encontrar um parceiro generoso entre meus primos um pouco mais velhos.
Mais tarde, há não muito tempo também, eu fui ouvir algo que me lembrou o jogo também numa das primeiras aulas da Faculdade: “Na corrida da Filosofia vence aquele que corre mais devagar”.
E aí também me veio aos ouvidos a voz aguda de D. Alícia: “Esse guri, Marisa” – minha mãe – “é meio parado e brigão, mas sempre achei que ele não ficava por aqui: vai longe...”














*Os peões de cada jogador começam na base de mesma cor. O objetivo do jogo é ser o primeiro a levar seus 4 peões a dar uma volta no tabuleiro e a chegar no ponto final marcado com sua cor. Os peões movem-se pelo percurso no sentido horário.
Para transportar um peão de sua base para seu ponto de partida é necessário tirar 6. Quando o jogador já tem pelo menos um peão no percurso, ele pode mover o peão do número de casas tirado no dado. Se tirar 6, além de usar esse resultado ele pode jogar novamente o dado.