segunda-feira, 24 de novembro de 2008

"Isso" - eu disse - "é vivência".


Que bom que tu voltaste a ler,a ver tuas coisas. A recapturar um tu mesmo para além do que a gente compra, bebe, assiste na TV. Antes não precisavas. Era eu que te alimentava de fluidos - mais que isso: de espelhos, de danças loucas, de brilhos de espaçonaves. Aí, me faltaram (os meus). Fiquei exausto, mas estão por aqui ainda. Se há vantagem nisso tudo é eu ter descoberto que a fonte não seca. Não cessa de produzir os objetos claros, recobertos de cromo brilhante e com furta-cores de que tenho e sou. Estou esvaziado parcialmente, mas não sou vazio, tenho bastante de mim para esperar e, desta vez, manter por aqui. Mas olha, aproveita. Aproveita disso tudo que tiveste guardado bem no fundo (eu quase nem vi), enquanto vivias só de mim. Tira um pouco a casca grossa que se formou por cima, apagando a superfície que era luzidia nuns tempos e usa. Te come, te veste e mantém. Já que agora posso, te asseguro: não precisas economizar, não gasta, não seca. A fonte que em mim não terminou, tu bem podes perceber, já que usou, de certo tu também a tens.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Desejos Normais

Não posso ser crível no que expresso em linhas posto que, para a maioria isto sequer são linhas e eu sou, provavelmente, um dos que não são disso.
"Queria trazer-te uns versos muito lindos
trago-te apenas estas mãos vazias
que vão tomando a forma do teu seio. "
(Quintana)

Também não nunca fiz questão do contrário. Por que não vinha ao caso?
Minha sensação é de as coisas não serem bem isso. Sempre o caso de não vir ao caso. E a minha desculpa para não ser nada vai, invariavelmente, ser a de repetir estas últimas palavras em que também não quis alterar nada.
Esta minha postura seca que alterna-se entre cômoda e incômoda é quase amor aos fatos. Quase sempre. Mas sempre menos, no entanto.
Prefiro me mexer muito, todavia, só para levantar poeira. Chafurdo o solo do fundo, faço até descolar-se um limo antigo, umas páginas secas. Aí, de novo sumo na nuvem densa de cinzas e verdes e ela tarda. Só mais isso: enquanto tornam as águas claras, vagarosamente vai sendo possível me divisar as feições, praticamente no mesmo lugar.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008


A pura verdade é que não dormi naquela noite. Naquela em que você me disse: "volta", e eu ignorei a mensagem. Pensei que poderia voltar ao mesmo tempo em que me dei conta de que não, sempre soube que, depois de ter ido, não poderia. Ignorei então de novo e soube que eu iria sofrer sabendo que você sofreria mais. No dia seguinte fui dormir às seis da tarde: sonhei que corri atrás de você na rua e toquei teu ombro pensando "há quanto tempo!", você se virou e eu disse "não me perdoe, porque você não deve, não é o caso, mas olha, o que eu fiz não foi a satisfação de um desejo". Ficou bem a frase completa, mas na verdade, só a primeira parte aconteceu mesmo, isto é, sonhei mesmo. Essa coisa do desejo eu pensei depois de acordar. Incluo agora na re-invenção imaginada dessa história toda a parte que eu quase gostaria que tivesse acontecido, não fosse o caso de cada uma delas estragar tudo, toda naturalidade do que foi. Porque somos esses que isso viveram, isso nunca poderia ter sido outra coisa. É.
imagem: José Meneses - Splash