quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Acidentes [4(de4)]


A segunda história é também a última (quem não suspeitava?...), porque a que eu tinha preparado para ser a terceira já me entediou e o segundo final do que foi a primeira quase vale por mais uma. Não?
Assim, a última história é a do homem na Espanha que comprou uma casa de praia em um leilão de coisas cujos donos as perderam porque pararam de pagar as prestações. Ao visitar o novo imóvel pela primeira vez, ele encontrou a antiga dona da casa no sofá da sala, mumificada pela maresia, sentada há seis anos, quando pagou uma prestação pela última vez e começou a ficar endividada com a financiadora. Esta senhora que nunca tinha sido exatamente vívida pelo menos tinha antes alguma atividade e um certo teor de água em sua constituição física. Seis anos atrás, porém, ela parou totalmente de se mover e oficializou sua não-existência. Depois, contou-se também, que ela tivera irmãos e filhos que viviam em Madrid, de amigos nunca se ouviu falar e a polícia jamais registrou um relato de desaparecimento seu.

Eu, que além de coisas, gosto de pensar em não-coisas, imagino se é verdadeiro pensar que esta senhora desapareceu do mundo. Ou melhor, talvez sua morte seja de um período muito anterior ao de seis anos atrás. Quando é que ela deixou de existir? Quando foi seu último "aparecimento"? Tivesse eu alguma autoridade na Espanha e determinaria, a respeito da morte ou desaparecimento dessa mulher o seguinte: que em vez de se fazer uma certidão de óbito baseado na análise físico-química de um pedaço de múmia que se procure a pessoa que relate a mais recente lembrança provocada por sua presença e se registre nesta data seu falecimento, caso não se encontre tal relato, que seja anulada sua certidão de nascimento.


PS: Ironicamente, e talvez para me pôr na insegurança de quem pressente pensar errado, dou-me agora conta de que, como um faraó que que viveria eternidade afora, pelo próprio tempo ela foi mumificada...



Imagem: Simão Pereira de Magalhães - A Porta

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