segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Reconstruir a mim. Por que nasci inteiro, mas minha infância foi um atravessamento de sucessivas tempestades de areia. Vento e areia. 
[...]
Rossana era a morena que odiava muito. Rossana odiava praticamente todas as coisas, feias ou não, pelo menos em algum momento. Rossana odiava quando amava alguma coisa e não podia largar dela. Então dava um jeito de odiar ainda mais e fazer com que esta coisa a largasse ou ela o faria. Rossana era difícil de conviver.

No entanto, ela sentia-se muito à vontade no centro da cidade. Anônima, andava pelos shoppings e cafés e observava as pessoas e imaginava o quanto elas poderiam gostar dela se a conhecessem bem, o quanto ela seria querida por aquela senhora bem vestida de tão lindos sapatos, ou como ficaria satisfeito com sua sinceridade e simplicidade o rapaz que era dono da revistaria. Os dois conversariam longamente sobre negócios e ela diria muitas coisas com lucidez e ele ficaria impressionado como alguém que nem é do ramo poderia ser tão sensível em relação a problemas desse tipo. Ou então, quando ele estivesse inseguro quanto ao comportamento de seus funcionários, ela diria a palavra certa e corajosa que o faria perceber a decisão certa a tomar. Rossana sabia que poderia ser muito útil se as pessoas confiassem mais nela e não fossem tão mesquinhas. Ela tinha coisas a ensinar, só precisavam conhecê-la melhor. Mas, no fim, no fundo, sabia que todos terminavam sendo só mesquinhos mesmo, as pessoas não gostavam de ouvir a verdade. A coisa que ela estava sempre mais disposta a dizer, a qualquer um, em qualquer momento. Era irritante que, apesar disso, tivesse tão má fama.
O que a cidade dá?
Ciência. Lugar.
O ganho secundário dos que só podem ser anônimos.
Tanto que te encontrei: meu amor, lembra?
Não tínhamos nome.

Foi só depois de tanto te ver
sob o sol dramático, o céu roxo e catastrófico,
ir ao café e proteger os olhos do asfalto quente,

sem necessidade de chamar ou procurar sentir.