segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Série de águas II

Resgatado à força do mar negro e brilhante, embarcava no teu grande vapor equivocado e seguro.
Nos perdíamos os dois então.
Mas eu também gosto de atmosfera,
e imaginando um fundo de rio azul
de ar,
o tempo todo fiquei à proa.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Para não ver navios

Para não ver navios
me interiorizei,
Assim também eu parei de partir.
Agora imóvel, ou quase: semimovente,
quase paro, ausente, diante do rio.
Hoje tem névoa.
E o interior branco dela sobre mim,
são as águas.
E no interior espalhado dela sobre as águas,
sou eu.
Era.
Surpreendente, um navio atracou.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

E você, agora






Dois barcos negros contra um céu pálido de nuvens de mormaço. A inspiração chegou por um movimento de teus olhos.




Imagem; Pablo Gama

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Sobre o que já foi meu maior defeito

Pretensioso. É um adjetivo que ainda me incomoda, mas machucar, não machuca mais. Agora assumo; sim, eu pretendo. Pretendo exatamente isto de que tu estás me acusando. Tua idéia, para além do termo, teu pressentimento em relação a mim, está correto. Mas espero que ter lido isso isso não te satisfaça. Pelo contrário, espero que volte a te exasperar, enojar, tal qual a impressão que tiveste e que o levou a me julgar desta forma pela primeira vez: pretensioso. Teu ego ordeiro não suporta que se pretenda. O meu ego covarde não ousou desapontá-lo então.
Preciso assumir a legitimidade destas vagas coisas que sempre intuí estarem entremeadas aos sólidos bem organizados da realidade. Eu vejo isso, não nego e vou continuar dizendo-o. E tu, continuar afirmando que vejo mal, que não vejo, ou que invento o que ver é um fato que não pode me intimidar.
Na verdade eu vou aproveitar para te dizer que sou a até pior do que pensaste. Muito pretensioso, sente-se: quero ser um dos guardiões do mistério. Ele precisa ser preservado e se manter cultuado, especialmente agora, tempos de agosto. Não deixo, no entanto, de ser científico como querias. Vês, mantenho-me em parte conforme o teu desejo. Isto não é um paradoxo ou, se for, é um do tipo positivo. Um paradoxo que constrói por não expor. Tu sabes do que estou falando. O que pode ser devassado é concreto e objetivo, ainda que sofisticado. O que não pode, não se deve olhar diretamente. Místico. Isto sempre foi muito simples. E se o tentamos atravessar é por sermos obtusos. Golpe rasteiro em coisa portentosa nos faz ridículos. Eu não sou assim.

Para terminar, este bilhete, eu espero que tu o leias e sintas raiva disto. Uma raiva destrutiva. E na vida, que tu, eu, tenhamos sempre o que reconstruir.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Carta passada e, enfim, vazia de sentido.*

Uma loucura: a minha.
O que sei é que tudo o que eu te disse é verdadeiro a não mais poder. No entanto, a outra parte do que está envolvido nisso, se eu quero ou não manter-te junto a mim, é que enxergo agora como essas letras, enquanto escrevo com óculos escuros de lentes que não têm graus, afasto os olhos e depois aproximo-me novamente, vendo bem agora e mal em seguida, quando me cansar do esforço em tentar vê-las.
P., a pouco, pela manhã, eu disse a alguém que gostaria de te amar mais do que faço. Te amar mais do que te querer, para ser franco. Mas também já repenso se trata-se mesmo disto. Penso agora que talvez te ame mesmo, porém encontre impedimentos em exercê-lo, coisa que não acontece de tua parte em relação a mim. De tua parte nosso amor é só oportunidades. Eu sei, sou negativo no amor. Para mim ele deve ser trabalhado, desenvolvido em umas, mas podado em outras partes. Tu não, tu só quer e quer, embora, às vezes sinta medo.
V., o próprio pivô disso tudo, me fez ver uma coisa pertinente quando falava disso a ele: eu não me permito. É, não me permito mesmo. Sob vários aspectos. Por que faço isso? Por que vocês que me encontram atordoado de desamparo pelo mundo, com cara de quem viu o demônio do conhecimento - por que vocês não me trazem algo que faça as vezes de resposta, ao menos? Só salientam em mim mais uma coisa que vai me fazer voltar a perguntar "por que?".
P., meu tesão difícil e lindo desde o início. Há tempos constato que me impeço de dar-te o que tu mereces e sacrificas a mim tanto, todos os dias, a mostrar-me como se pode fazer isso sem zelo ou cuidado demais pelo que se dá. É o que há quando se tem amor demais. E, ainda por cima se sabe como gerar por conta própria... Lembrei agora: eu também já fui assim. Não jogue fluido do coração pelo ralo, eu me arrependi.
P., qualquer dia eu vou te encontrar de novo, te dar um abraço forte e lembrar do cheiro e da pele do teu pescoço sentidos de perto. Porém não sei o que vai acontecer neste dia, depois disso. Não sei como vou estar lá e nem no que isso vai dar. Isso é uma coisa que eu gostaria muito de saber agora. Amanhã. Isto entre todas as coisas que desejo neste momento, por exemplo, que este trem não chegasse a nenhum lugar.






*Portanto, publicável.



quinta-feira, 28 de maio de 2009

Os Símbolos

Eu tenho sido ingênuo, e talvez um pouco romântico até, em relação à minha significação do mundo e ao modo como me expresso e expresso o que me toca. Tudo é muito banal. E as noções envolvidas, flagrantemente pedestres. O caso é que a comoção, porém, poucas vezes a tenho sentido tão autêntica. Eu não tenho mais medo. Estarei tranqüilo, ainda que em perigo.
De alguma forma - e se encontra muito claro este item - nada mudou no que diz respeito aos emaranhados espirais que vejo subir e fosforecer pelos ares, e na necessidade de formar sentido no complexo cotidiano que me estarrece e se impõe como impressão do real mas somente explicada, ou apenas dita, para ser sincero, de modo um pouco mítico.
Isso tudo ainda me acontece e atordoa. Ainda me sinto inábil com o mundo. No entanto, agora fico mais à vontade com meus escuros, meus pontos cegos e ruídos ensurdecedores. Estou aprendendo a, matematicamente, em vez de contemplar numa mesma imagem que faço do mundo, conjuntos inteiros de possibilidades sem excluir nenhum elemento destes, substituí-los inteiramente por uma variável qualquer. Nem tudo precisa ter nome. E tudo permanecerá belo, se o for.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Devagar se vai ao longe... (à moda de Nicole Doberstein)





Um dia, uma Lebre ridicularizou as pernas curtas e a lentidão da Tartaruga. A Tartaruga sorriu e disse: "Pensa você ser rápida como o vento; Mas Eu a venceria numa corrida."

Esopo


O nome oficial do jogo é Ludo. Isso eu só aprendi há duas semanas, quando, em função de ter que fazer o trabalho para a disciplina de Psicologia da Educação : O Jogo I, fui procurar uma imagem do tabuleiro do jogo do qual não lembrava mais desde os 8 anos. No entanto, assim que vi a sugestão do título/tema do trabalho, lembrei exatamente do tabuleiro que eu possuía e que já perdi.
Bom, o que importa é o nome. Creio que esse, o meu, foi minha avó, D. Alícia, quem inventou. Sei disso porque ela sempre gostou de inventar coisas como atividades e nomes. Tanto foi que herdei dela o interesse por coisas que não existem. E de fato, “De vagar se vai ao longe...”, assim mesmo, com reticências, sempre achei muito adequado, dadas as regras* e o tempo de duração de cada partida. Só eu mesmo, lembro bem, é que gostava. Apenas aos puxões de camiseta e caras treinadas é que eu podia encontrar um parceiro generoso entre meus primos um pouco mais velhos.
Mais tarde, há não muito tempo também, eu fui ouvir algo que me lembrou o jogo também numa das primeiras aulas da Faculdade: “Na corrida da Filosofia vence aquele que corre mais devagar”.
E aí também me veio aos ouvidos a voz aguda de D. Alícia: “Esse guri, Marisa” – minha mãe – “é meio parado e brigão, mas sempre achei que ele não ficava por aqui: vai longe...”














*Os peões de cada jogador começam na base de mesma cor. O objetivo do jogo é ser o primeiro a levar seus 4 peões a dar uma volta no tabuleiro e a chegar no ponto final marcado com sua cor. Os peões movem-se pelo percurso no sentido horário.
Para transportar um peão de sua base para seu ponto de partida é necessário tirar 6. Quando o jogador já tem pelo menos um peão no percurso, ele pode mover o peão do número de casas tirado no dado. Se tirar 6, além de usar esse resultado ele pode jogar novamente o dado.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Analítico

É de se ver logo que é uma grande descoberta, já que não tem nenhuma novidade.
A verdade suprema de um elemento insuspeitado, a respeito dessa coisa toda em torno da qual venho tateando em busca de algum auxílio, domínio, um "perder o medo". Talvez a chave de muita coisa:
Tal qual energia estática, o meu trabalho tem sido sempre o de harmonizar o que vai se colando no entorno do corpo que levo. Se deixo tudo do jeito que está fica grotesco, assimétrico, não se estabiliza. Portanto me esforço, às últimas causas, por um ideal estético do que é minha própria espécie e existência. Me organizo sem parar, e é isso somente que torna as coisas possíveis.
Como se fosse interminavelmente repetido no circo, o momento em que a moça joga (em pleno número!) mais alguns malabares.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Começa o dia

Hoje pela manhã eu engoli água do banho e depois tomei banho de café da manhã.

Saí correndo, pra variar...

quarta-feira, 1 de abril de 2009

"Que límpido o cristal de abril!" *


Viva!

Amo o mês de abril.

É costume das coisas melhorarem em abril.



(E meu costume não fazer nada que torne a piorá-las)





*Quintana







Imagem: Bruno Abreu - ...escolhe a tua...





quarta-feira, 11 de março de 2009

Nós e o bicho

De mim, tu exigistes sempre que eu entendesse o quanto você era forte. Mais forte. E eu até demorei, mas vi isso em ti. Nos teus olhos eu vi que era mais fácil ser mais forte que tudo. Mais que toda não apreciação, que toda guerra de nervos, que todo o esforço em fugir sempre de um consenso e crer que toda solução e paz, afinal, se encontram no acatamento de uma idéia preexistente em um dos dois. Sim, entendi isso tudo muito, e bem, e decantadamente. E desencantei-me então; descongelei-me e num raio fantástico congelei a ti onde tu estavas. Foi assim que tudo se deu.
De ter visto tudo o que exigias tanto que eu visse, eu perdi o medo de não temer mais teus tristes olhos que, quando tristes, continuavam lindos e enormes, só que avermelhados de pranto que se segura. Depois de um tempo, eu inteiro doí mais que a visão disso. Que a contração de tudo isso. Que o não esquecimento disso. Que a acumulação desses "issos". Pisava em ovos: minha incapacidade em mudar de assunto.
Havia um esquema. Tu eras afetado por tudo e de agonia e raiva, sofria. Eu, se dava por isso, sofria também e isso te restituiria a paz, mas antes era importante que eu sofresse um pouco mais.
Do tosco das coisas com as quais fui me formando, foi surgindo a lembrança do isso-também-sou já esquecido. E mantive secretamente entreaberta a tampa de onde esse animal estava, para que seguisse respirando um ar meio fresco e ouvindo as vozes do resto da casa, embora estivesse mal alimentado. Quando tomei coragem, inspirei por nós dois (tu e eu), escancarei a tampa e resgatei o tal bicho, totalmente impávido, enquanto tu assistia a nós dois (o bicho e eu) sairmos pela porta grande sob o olhar daqueles teus olhos vermelhos de pranto que se segura.

Prêmio Dardos

Fiquei muito feliz em ser escolhido por um outro blog, o da excelente Lilly (ver André Lima freqüenta), mas não consigo postar a imagem. Por enquanto o que está valendo é a satisfação pelo reconhecimento tão generoso.

Leiam Lilly!

domingo, 22 de fevereiro de 2009



Para fazer uma campina
basta um só trevo e uma abelha.
Trevo, abelha e fantasia.
Ou apenas fantasia
faltando a abelha.

Emily Dickinson

(Trad.: Idelma Ribeiro de Faria)


Imagem: Pablo Gama



quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Sobre o valor estético dos fatos, as pessoas e eu, e... Dorian?

Pessoa.

Ainda a respeito de como terminar aquela história e de como era esperado que as coisas tivessem sido(continuo com este problema de sempre voltar num assunto), me ocorreu de escrever algo assim:

'E a despedida nossa, promessa grandiosa de desespero e emoção à italiana, se esfacelou em pormenores vulgares'.

Aí, mais tarde, no mesmo dia, eu me deparei com isso no Dorian Gray:
"(...)Por que não consigo sentir esta tragédia tão profundamente como desejaria? Que te parece?
(...)
- Para mim a verdadeira explicação é a seguinte: acontece muitas vezes que as tragédias reais da vida ocorrem de maneira pouco artística e nos ferem pela sua violência rude, sua incoerência total; pela ausência absurda de significação e absoluta falta de estilo. Afetam-nos exatamente como pode nos afetar a vulgaridade. Causam impressão de força bruta que nos revolta. Às vezes, porém, a tragédia dotada de elementos de beleza artística atravessa-nos a vida. Se esses elementos de beleza forem reais, o drama apela para o nosso senso de efeito dramático; de súbito, percebemos que já não somos atores e sim expectadores da tragédia. Ou melhor: somos uma e outra coisa. Contemplamo-nos, e a simples singularidade do espetáculo cativa-nos. No caso presente, que aconteceu de fato? Alguém suicidou-se por amor a você. Quem me dera ter tido alguma vez esta sensação!"

Olha, Pessoa. Nisso tudo, digo do real já ido, vês também o horror que se transfigura em graça desmedida? Ou foi só constrangimento insensato mesmo? E o contrário disso e todo o resto que ainda somos, que é?